Os avanços ao nível cientifico, desencadearam uma evolução crescente na área da saúde, condicionando uma melhoria na qualidade de vida, logo um aumento da esperança média de vida. Esta realidade, acarreta transformações na vida das pessoas, como a perda de autonomia e o aumento da dependência. Os censos 2021 revelaram que o índice de envelhecimento da população portuguesa aumentou 42,4% e o índice de dependência dos idosos, aumentou 27,7%. Independentemente da causa, a dependência da pessoa implica a necessidade do apoio temporário ou permanente de alguém, que assuma o papel de cuidador. Também a nível de cuidados de saúde, novas exigências surgiram, nomeadamente a necessidade de prevenir e reduzir as incapacidades e de promover a funcionalidade e autonomia.

Perante tais exigências de cuidados, foi criada uma resposta efetiva para os utentes dos Cuidados de Saúde Primários: as ECCI. Estas equipas integram a carteira de serviços das Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) e permitem a articulação com a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), conforme o Decreto-Lei nº 101/2006 de 6 de junho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº136/2015, de 28 de julho. Estas são equipas multidisciplinares, que prestam cuidados no domicílio, a utentes dependentes e famílias/cuidadores, que não se podem deslocar do domicílio de forma autónoma, mas que não requerem internamento. De acordo com o Art. 8º do Capítulo I, da Portaria nº50/2017, do Diário da Republica, para que estas equipas atinjam os seus objetivos, devem, entre outros fatores, envolver os familiares ou cuidadores informais, ensinando-os e treinando-os para a colaboração e continuidade de cuidados.

Existem diversos autores e diferentes definições para cuidador. A RNCCI define o cuidador informal, como a pessoa da família, amiga ou vizinha, que ajuda ou supervisiona os cuidados a outra pessoa, que se encontra em situação de dependência, não sendo obrigatória a coabitação. A definição de membro da família prestador de cuidados, segundo a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE) (2011), refere-se a um elemento da família que se assume responsável pela prevenção e tratamento de um outro elemento da família, numa situação de doença ou incapacidade. O Dec. Lei nº100/2019 de 6 de setembro, aprova o Estatuto de Cuidador Informal e reforma o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e a Lei nº13/2003, de 21 de maio. O Decreto Regulamentar 1/2022 de 10 janeiro, permite determinar os termos e as condições do reconhecimento do estatuto do cuidador informal, assim como as medidas de apoio aos mesmos e às pessoas cuidadas. Estas condições são fundamentais para estabelecer quem tem o direito a esse estatuto ou não, sendo obrigatória a candidatura ao mesmo.

Cuidar “(…) é… um acto de reciprocidade que somos levados a prestar à pessoa que temporariamente ou definitivamente, tem necessidade de ajuda para assumir as necessidades vitais (…)” (Collière, cit. por Rôxo et al., 2003:47). Portanto, o prestador de cuidados é quem cuida. Mas, para além das leis e das definições do que é um cuidador, importa saber quem são estes cuidadores. São pessoas conscientes do papel assumido e conhecem as suas reais funções e obrigações complexas? Possuem preparação e formação para tal e possuem potencial para este papel? Perante uma pessoa dependente, com necessidade de apoio, as pessoas são levadas a tomar a decisão de se assumirem como cuidadoras, de forma emotiva e impensada. Os diferentes autores evocam diversos motivos. Sousa, Figueiredo e Cerqueira (2006), evocam a coabitação, a proximidade geográfica, a ausência de apoio e o custo da institucionalização. Já Karsch (2003), aponta para o parentesco, o género, a proximidade física e a proximidade afetiva. Quanto ao perfil do cuidador, os autores são unânimes. A maioria são mulheres, cônjuges e filhas. Mas, devido ao envelhecimento da população e ao facto da maioria dos idosos se recusarem a sair das suas casas, estamos perante uma nova realidade: idosos que cuidam de idosos, também eles doentes e dependentes.

A falta de apoio e de informação, a ausência de recursos económicos, de condições habitacionais e competências pessoais, associadas ao prolongamento da necessidade de cuidados, são causas possíveis para o stress e a exaustão do cuidador. Na prática diária, verifica-se que a maioria dos cuidadores, que são cônjuges, também idosos e por vezes com alguma dependência, embora com défice no conhecimentos e habilidades para cuidar, apresentam noção de que determinados cuidados faziam parte das suas obrigações enquanto cuidadores, como é o caso dos cuidados de higiene, alimentação, vestir e despir, entre outros. A maior dificuldade surge nas dimensões mais diferenciadas, nomeadamente quando percecionam que necessitam ser capacitados para os posicionamentos, para as transferências, para a prevenção da rigidez articular, para a prevenção da aspiração ou ainda para a aspiração de secreções na orofaringe, entre outros, de forma a prevenir o agravamento do estado do utente ou a perda dos ganhos obtidos durante a intervenção da ECCI.

Perante isto, estão as respostas sociais e da saúde adequadas às necessidades atuais? Na maioria das vezes temos perante nós, cuidadores idosos, que não são capazes de assumir totalmente este papel, pelo que a equipa multiprofissional da ECCI é fundamental, também na avaliação desta situação sociofamiliar e na procura e/ou orientação para outras respostas sociais. O respeito por quem assume não querer tomar conta é fundamental. Não podemos obrigar ninguém a cuidar de alguém, ainda mais quando já experienciou e assumiu não querer ou não ser capaz de o fazer!

A proximidade das ECCI com a população, nomeadamente através da visitação domiciliária, no ambiente que é o do utente/família/cuidador, assume um papel privilegiado na prestação de apoio aos cuidadores, na promoção do empoderamento dos cuidadores e na promoção da literacia para a saúde.

De facto, cuidador é quem cuida, mas perante a complexidade e abrangência de cuidados, não basta a solidariedade. É necessária força, persistência e coragem!

Referências Bibliográficas

CIPE – Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem, (2011). Versão 2. [Internet]. http://www.ordemenfermeiros.pt.

Decreto-Lei nº101/2006 do Ministério da Saúde. (2006). Diário da Republica: I Série A, de 2006-06-06. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/101-2006-353934.

Decreto-Lei nº 145/2015 do Ministério da Saúde. (2015). Diário da República: I Série, de 2015-07-28- https://dre.tretas.org/dre/1020840/decreto-lei-136-2015-de-28-de-julho.

Decreto-Lei nº100/2019 do Ministério da Saúde (2019). Diário da República: I Série, de 2019-09-06. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/100-2019-124500714.
FIGUEIREDO, D. (2007). Cuidado Familiares ao Idoso Dependente. Lisboa, Climepsi.

KARSCH, Úrsula M. Idosos dependentes: família e cuidadores. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, V.19, nº3,mai./jun. 2003.

Plano Nacional de Saúde 2030 – Resultados Preliminares Censos 2021: Breve Análise. https://pns.dgs.pt/resultados-preliminares-censos-2021-breve-analise/

Portaria nº 50/2017 do Ministério da Saúde. (2017). Diário da República: I Série, nº 24/2017. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/portaria/50-2017-106388650

SOUSA, L.; FIGUEIREDO, D.; CERQUEIRA, M. (2006) – Envelhecer em família. Os cuidados familiares na velhice. Porto: Ambar.

RÔXO, Ana Luísa [et al.] – Cuidar: o que pensar? Como fazer? “Ordem dos Enfermeiros”. Nº8 (fevereiro, 2003).

https://eportugal.gov.pt/guias/apoio-a-familia/cuidador-informal

 

 

 

 

 

 

 

Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação